setembro 12, 2004

Morte e Salvação (V)

Epílogo
Este conto começou por ser um projecto onde iria escrever alguns factos da minha vida, dando-lhes, obviamente, uma ar macabro, trágico, mórbido e frio.
Desde o princípio que quis transmitir em toda a história uma frieza arrepiante, que fizesse as pessoas pensar no verdadeiro sentido da vida e a sua ligação com a morte.
Todo o enredo da história veio-se mudar numa noite em que travei uma grande luta com o sono e de repente veio-me à cabeça muitas histórias e a ideia de incluir a Morte no enredo. Rapidamente acendi a luz, peguei numa caneta e comecei as escrever, por tópicos, todas as minhas ideias e, por incrível que pareça, todos os diálogos (menos o grande diálogo da parte final) de William com a Morte.
Nessa noite ficou esquematizado todo o conto, todas as histórias, todas as ideias. Ainda o conto não tinha chegado a meio.
Curiosamente isto aconteceu poucas horas antes da morte do meu avô. Desde essa altura que me interrogo porque é que se realizou toda a minha história na minha cabeça, horas antes da morte do meu avô. Terá sido um prenúncio? Terá a Morte visitado-me antes de levar o meu avô? Estaria Ela ali ao meu lado a inspirar-me? E os diálogos? Terão sido aqueles que eu tive com Ela? Quanto mais penso neste assunto, mais acredito nele.
Dias mais tarde, fiz uma viagem a Évora, viagem esta que me viria a inspirar para uma parte, ou um conto, da história. A viagem a Orlando e a tragédia entre Kim, Chris, e Jackie. Como já disse, alguns destes acontecimentos retratam pedaços da minha vida, por isso resolvi integrar também a viagem a Évora.
Essa história foi escrita com tanta raiva, com tanta fúria, com tanto ódio, que eu ainda hoje não consigo perceber como é que escrevi aquilo. Para mim é a parte mais bem conseguida do conto porque é a parte onde todos os sentimentos sobre a morte e toda a raiva pelo ser humano estão genialmente implícitos. Também temos de ver que foi escrito algumas semanas depois da morte do meu avô, altura em que ainda estavam reminescentes toda a dor e todos os sentimentos ligados ao facto.
A partir dessa altura, decidi dar à Morte uma imagem parecida com aquela que Ingmar Bergman deu no seu filme O Sétimo Selo. E dar-lhe um ar supremo, uma ideia de deus, de senhora do universo. Por isso escrevi a Morte com letra grande, exactamente para Lhe dar uma imagem de deus.
Há quem tenha paixões pelo Diabo, por Lobisomens, por Vampiros e Dráculas ou mesmo por Deus, e faça filmes, livros ou séries sobre eles. Eu quis ir mais longe criando um novo mito e um novo deus, a Morte, assunto sobre o qual as pessoas têm medo de falar ou escrever.
Eliminei qualquer ligação religiosa, qualquer ligação a Deus ou ao Diabo, criando um único e só deus, um único e só ideal, a Morte.
Desde a primeira aparição da Morte que quis mostrar que a Morte sempre teve e sempre terá como braço direito o ser humano. O Homem sempre ajudou a Morte no seu trabalho, matando-se a si mesmo, e cada vez mais a Morte trabalha menos, pois o Homem inventa, cada vez mais, meios mortíferos.
A parte final da história, de pois da morte de William e o seu encontro final com a Morte, foi a parte que mais tempo demorou a ser realizada. Estive, mais ou menos, três meses a pensar como é que escreveria aquela parte. Não podia ser de qualquer maneira, tinha que transmitir uma certa mensagem, tinha que ter um certo sentimento, e para isso tinha que estar num dia cinzento...
Apesar de eu considerar que este final ainda não era bem o que eu queria transmitir, dou-me por satisfeito.
Acho que apesar de ser um conto mórbido, cinzento, macabro e também controverso, consegui transmitir alguns sentimentos e algumas questões sobre a vida e sobre a sua ligação com a Morte.
Espero que depois desta leitura as pessoas pensem mais na vida e na Morte!!!!
Porto, 7 de Março de 1998

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