setembro 26, 2004

A Corda no Pescoço

Finalmente chegamos ao fim. O texto que deu origem a este blog.
O Teatro é um mundo complicado. Vive-se em constante pressão, sempre em contagem decrescente e o tempo que há nunca é suficiente. "Mais uma semana e isto ficava bem!" é sempre o cliché de uma estreia. É exactamente durante esse periodo que nasce este texto, a menos de uma semana de uma estreia, enquanto se acabam as ultimas alterações no vídeo de cena e o computador nos manda esperar quando nós temos tempo para tudo menos para esperar. A corda começa a apertar e não podem ocorrer erros. Este sofrimento é muito solitário e é dificil encontrar ou falar com alguém que compreenda esse desespero. Acho que este texto é suficientemente elucidativo nesse aspecto.


A Corda no Pescoço

Estou neste momento com a corda no pescoço. Sinto o chão a vibrar por baixo dos meus pés, a ranger, vai e vem...
Sinto um enorme aperto no coração, um aperto indescritível à espera do momento em que o chão me vai fugir dos pés e acabar com tudo.
Pum, Pum, Pum, Pum....
Às vezes peço para que o chão se abra e acabe com todo este desespero. A corda cada vez está mais apertada, já mal respiro. O coração bate cada vez mais depressa.
A espera... A expectativa... O stress... Os nervos... O coração.... O desespero...
Queria adormecer e só acordar quando tudo estivesse acabado, mas não consigo... Os dias passam uns a seguir aos outros e quando acordo reparo que já passou mais um dia e que a corda cada vez mais está apertada.
Às vezes peço para que o chão se abra e acabe com tudo isto.
Olho à minha volta e não vejo ninguém. Ninguém veio assistir ao meu enforcamento. A solidão...
Às vezes sonho com pessoas. Pessoas à minha volta a sorrirem e a abraçarem-me, mas nenhuma me tira a corda do pescoço. Talvez não a vejam, talvez não se importem, talvez não consigam, talvez eu não as deixe... Não sei! Acordo sempre a meio do sonho.
Já não me lembro como era o mundo lá fora. Já não me lembro de nada a não ser dos meus sonhos, mas tenho saudades... Queria voltar ao normal. Será possível? Haverá retorno??? Quanto tempo irá demorar isto???
Às vezes também sonho com o mar... O sol ao fundo alaranjado a desaparecer... O barulho da água... O ar fresco...
Não gosto de sonhar com o mar! Acordo sempre com a cara molhada e eu não gosto de chorar.
Continuo aqui pendurado. A corda já me rasga o pescoço. O chão continua a tremer e a ranger.... Continuo sozinho... Será que um dia isto vai acabar? Decerto que sim, ou o chão finalmente se abre ou o coração pára. Não sei quanto tempo mais ele vai aguentar este ritmo.....
Já perdi as esperanças que alguém apareça para me salvar... Aliás já perdi qualquer esperança... E esta espera mata-me. A espera... A expectativa... O stress... Os nervos... O coração.... O desespero... A solidão... Quanto tempo irá demorar isto???
Não me lembro de quem me pendurou aqui. Nem me lembro como aqui vim parar. Terei vindo sozinho? À força? De livre vontade? Não me recordo....
Tenho saudades de um cigarro a acompanhar uma cerveja. Tenho saudades de fazer festas ao meu cão. Às vezes lembro-me dele e sonho com ele de vez quando.

Tenho saudades dela... Sim, é verdade! Ainda me recordo dela... Tenho saudades dela...

Pergunto-me frequentemente se tudo não terá sido um sonho. Se não estive aqui sempre o tempo todo pendurado a sonhar. E se esta for realmente a realidade? E se tudo não passou de sonhos? O mar... O sol... Os cigarros com cerveja... O cão... e Ela??? Terá sido ela, também, um sonho?

Às vezes peço para que o chão se abra.... Devagar....
9 de Junho de 2003

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